
A aranha realiza operações que lembram o tecelão, e as caixas suspensas que as abelhas constroem e envergonham o trabalho de muitos arquitetos. Mas até mesmo o pior dos arquitetos difere, de início, da mais hábil das abelhas, pelo fato de que antes de fazer uma caixa de madeira, ele já a construiu mentalmente. No final do processo do trabalho, ele obtém um resultado que já existia em sua mente antes de ele começar a construção. O arquiteto não só modifica a forma que lhe foi dada pela natureza, dentro das restrições impostas pela natureza, como também realiza um plano que lhe é próprio, definindo os meios e o caráter da atividade aos quais ele deve subordinar sua vontade . Karl MARX, O Capital.
O presente texto terá como objeto discutir a formação dos mediadores frente ao instituto da Mediação, reconhecida esta como um meio aplicável para solução de conflitos, em que as próprias pessoas auxiliadas por um terceiro imparcial, solucionam as respectivas questões, sem transferir a solução a um julgador.
A escolha do tema foi motivada pelo fato de que os meios distintos da sentença
prolatados pelo Poder Judiciário, considerados também como adequados para solução
de conflitos vêm, na prática, confirmando a real possibilidade de os próprios envolvidos no conflito solucionarem, com alto grau de satisfação, suas demandas.
A Mediação de conflitos tem se mostrado uma grande conquista para as comunidades,
notadamente em suas relações familiares, comunitárias, escolares, empresariais,
comerciais e judiciais, e o seu desenvolvimento possibilitou maior fluxo da
comunicação entre os diversos atores envolvidos nos litígios. Ressalta-se que quanto
mais se democratiza o acesso aos meios adequados e consensuais de resolução de
controvérsias, maior a participação das pessoas no processo, a manutenção da
comunicação entre estas e o aprendizado útil para a resolução de suas questões em
qualquer contexto.
O instituto da Mediação opera sob a convicção de que a controvérsia pode se
transformar em um ponto de conversação e cooperação, num ambiente colaborativo, no qual os envolvidos, tornando-se titulares do processo, assumem responsabilidades
quanto às decisões a serem tomadas. Constitui-se, pois, um importante processo de
pacificação social elemento tão caro à efetivação da justiça.
Disso decorre que o terceiro imparcial, o qual na hipótese da Mediação, é o mediador,
não é um ser idealizado, que se constitui a partir de uma formação puramente abstrata, desgarrada dos problemas concretos da vida social e notadamente das relações interpessoais, mas ao contrário, um profissional, do qual é preciso conhecer o perfil, papel e função, que é detentor de uma formação voltada para a ação e a intervenção eficaz na prática mediativa.
Neste contexto, neste trabalho serão abordados os aspectos gerais da formação do
mediador, sem, contudo, esgotar a amplitude e alcance de sua dimensão pedagógica.
1. O mediador e sua identidade profissional
O mediador é um terceiro imparcial, capacitado e independente, que auxilia os
mediandos no processo de Mediação. Tem autoridade de condutor desse processo e não da decisão, que, por sua vez, cabe apenas às partes. A confiança das partes em relação ao mediador é elemento fundamental para a efetividade da Mediação.
Nessa linha de pensamento, a identidade profissional do mediador é de natureza
muito peculiar, que não se confunde com qualquer outra eventualmente sugerida. Dado o alcance e a natureza de sua atividade, o mediador possui formação que requer uma série de condições e habilidades para exercer efetivamente a sua função. Mostra-se, pois, essencial uma capacitação específica e permanente.
2. Papel e função do mediador
A compreensão acerca dos papéis do mediador é de forte relevância ao estudo sobre a
formação desse profissional. Para Lilia Maria de Morais Sales ( 2003) no processo de
Mediação, alguns papéis são atribuídos ao mediador como os de: (i) coordenador do
processo, fazendo uso da empatia e da habilidade de transmitir aos mediandos um
conjunto de valores fundamentais ao bom desenvolvimento do processo, tais como
cooperação, confiança, respeito, serenidade; (ii) agente transformador, percebido como aquele que estimula o poder das partes, minimizando os riscos de sua própria influência nos resultados do processo; e (iii) facilitador e catalizador da Mediação, atuando na comunicação, na ampliação dos recursos e na exploração dos problemas.
A atuação do mediador nos diferentes papéis estimula os mediandos a cooperarem na
Mediação e tomarem decisões quanto às questões apresentadas. Nota-se que a conduta alinhada do mediador desenvolve a confiança com as partes, que é primordial ao processo de mediação.
Ainda sem esgotar as funções exercidas pelo mediador, Carlos Eduardo Vasconcelos
(2017) destaca as seguintes: acolher os mediandos, incluindo suas emoções; esclarecer
acerca da Mediação, explicando o que é, para que serve e os seus objetivos, o papel dos envolvidos como protagonistas do processo, atribuindo-lhes o poder de decisão;
administrar a participação de todos de forma equânime, assegurando a livre expressão, o respeito entre os envolvidos, o bom andamento dos trabalhos; facilitar a comunicação; focar nos interesses e nas necessidades individuais e comuns dos mediandos; incentivar a busca de contextos alternativos, a construção de consenso e a busca de soluções criativas e executáveis; redigir o termo de acordo, quando a solução for alcançada.
3. Aspectos gerais da formação e capacitação do mediador
Não há divergências entre os estudiosos do instituto que a capacitação dos mediadores
tem como base os princípios da Mediação e o padrão ético de sua atuação, sendo
crucial, essa base, para o sucesso da formação almejada.
Segundo Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto (2014), é enganoso
entender que para fazer Mediação basta ter “jogo de cintura”. A Mediação é uma arte
que nunca termina, demandando contínuos requintes ou ajustes. Depende de um olhar atento às suas nuances e de um aprendizado contínuo. Exige uma formação profissional anterior, que envolve características pessoais como capacidade de desenvolvimento da empatia no relacionamento com o outro. Não é pura e simplesmente uma atividade de aplicação de técnicas. Além disso, a prática da Mediação demanda um estudo sistemático desse instituto, perpassando pela compreensão de seu sentido e de seus pressupostos básicos e objetivos, o que se alcança em sólida formação e capacitação.
(VASCONCELOS, 2017).
Fernanda Tartuce (2016) explica que a capacitação do mediador deve considerar, ainda, a transdisciplinaridade, de modo a transcender os aspectos jurídicos da controvérsia. Deve propiciar o desenvolvimento de habilidades de comunicação para que atue como facilitador desta entre as pessoas. Deve possuir abordagens que estimulem a elaboração de perguntas pertinentes, especialmente com o objetivo de reflexão do papel, do comprometimento e da responsabilização de cada um dos envolvidos na solução do conflito.
Segundo o mediador e escritor Adolfo Braga Neto (2017) a capacitação em Mediação
deve envolver um estudo aprofundado do conflito, abrangendo as suas origens, o seu
desenvolvimento e como ele promove reflexos nas interações humanas.
Para Águida Arruda Barbosa (2015) a capacitação do mediador propõe um olhar atento
e sensível às diversas áreas do conhecimento da natureza humana e de suas tendências sociais, culturais, emocionais, psicológicas e culturais, dentre outras. Envolve transformações profundas nos saberes que envolvem a formação inicial do mediador, bem como conhecimentos multidisciplinares, os quais proporcionarão um aprendizado diferenciado na e para a Mediação.
Ademais, importante salientar que a Mediação traz para o campo jurídico a interlocução com outras áreas do saber, tais como ciências humanas e ciências sociais, constituindo, assim, um conhecimento interdisciplinar a serviço do acesso à justiça. Os diferentes saberes especialmente das áreas exemplificadas, entrecruzam-se e se complementam, dando forma ao instituto em questão.
A capacitação em destaque exige do mediador a busca constante de conhecimentos
teórico-práticos que o auxiliem a refletir sobre o alcance de sua atuação na Mediação,
compreendida como uma tarefa complexa que, por envolver várias áreas do saber,
demanda preparo, habilidades e sensibilidade que delineiam o perfil desejável deste
profissional (TARTUCE, 2016).
De tudo isso decorre que o perfil do mediador é construído a partir da harmonização do aprendizado teórico e prático, advindo de instituições credenciadas por entidades
oficiais competentes nos termos da legislação aplicável ao tema.
4. Conclusão
Tendo como tema a formação do mediador, este trabalho buscou despertar para a
identidade desse profissional, para o seu papel e a sua função, bem como para os
aspectos e as bases gerais de sua formação.
A Mediação como meio dialógico de solução de conflitos é pensada a partir de seus
princípios (abordados no post anterior) , os quais norteiam todo o processo mediativo e a conduta do mediador. Essencialmente por abrir espaço para que as pessoas envolvidas encontrem soluções para as próprias questões e após essa vivência solucionem diretamente os próprios impasses (empoderamento dos mediandos), é que se fortalece a importância de o mediador agir em conformidade com os princípios regentes da Mediação, bem como de preservar a probidade desse instituto e de resguardar todos que o utilizam.
Este trabalho abordou a complexidade da identidade do mediador, de seu papel e de
suas funções. Apresentou a atuação desse profissional, demonstrando que esta é
essencial para estimular os mediandos a se perceberem como pessoas capazes de
solucionar, com o diálogo, as próprias questões.
Nesse sentido, a Mediação confere liberdade e responsabilidade aos mediandos para a
tomada de decisões e direcionamento de suas próprias vidas, a partir das construções
positivas obtidas nesse processo, proporcionada pela atuação de um mediador
qualificado, imparcial, competente e diligente. Reconhece-se que a liberdade está
presente do início ao fim da Mediação, de modo que as pessoas possuem autonomia
para decidir conforme desejam ou não participar ou prosseguir como mediandos, bem como para realizarem ou não acordo sobre qualquer questão.
Atentou-se para o fato de que a conduta adequada do mediador movimenta as pessoas
dentro do processo de Mediação, sendo decisiva para o alcance do propósito desse
instituto, respeitando-se a autonomia da vontade dos mediandos. Numa perspectiva
mais abrangente, procurou demonstrar que esse profissional é um agente de
transformação social, uma vez que, em sua atuação, estimula a não transferência da
tomada de decisão a terceiros alheios aos interesses em jogo e, em outra análise, a
consolidação de um sistema multiportas de acesso ao Judiciário.
Por tais razões, a formação do mediador é assunto de extrema relevância para a
consolidação da Mediação no Brasil, como meio efetivo de solução de conflitos que
privilegia o protagonismo das partes. Daí a necessidade de que essa formação seja
aderente à base principiológica e ética da Mediação, assegurada por capacitações
teóricas e práticas contínuas.
*Texto extraído do artigo escrito em 2018, por Débora Brangioni (ex sócia DWE) e Elizete Carvalho ( sócia-diretora DWE) para o livro - Mediação Judicial: ensaios sobre uma experiência, editora Del Rey.
5. Referências
BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas,
2015.
BRAGA NETO, Adolfo. Mediação: uma experiência brasileira. São Paulo: CLA
Editora, 2017.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, vol. I,
tomo 2, 1984. (Col. Os Economistas). Disponível em:
<http://alexandreconinck.blogspot.com/2015/03/a-aranha-realiza-operacoes-que-
lembram.html>. Acesso em: 20 abr. 2018.
PARKINSON, Lisa. Mediação familiar. Belo Horizonte: Del Rey, 2016.
SALES, Lilia Maria de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003.
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é mediação de
conflitos. São Paulo: Brasilense, 2014.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: Método, 2016.
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas.
5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
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